O calvo

O Deficiente capilar talvez seja o mais pitoresco entre os deficientes físicos, muito mais do que os míopes, os banguelas e os broxas. Conhecidos como calvos, pouca-telhas e carecas, eles muitas vezes são incompreendidos e até ridicularizados; freqüentemente utilizados como pontos de referência, eles prestam um verdadeiro serviço de utilidade pública, quem é que nunca travou o seguinte diálogo:
-Você tá vendo aquele cara ali embaixo?
-Não! Aonde?
-Ali! Do lado daquele careca.
-Ah tá! Agora eu vi.

Antigamente, ser careca era uma das piores coisas que poderia acontecer a um homem, conheço pessoas que, além dos diversos tratamentos milagrosos a que se submeteram com mel, ovos e até titica de galinha, disem até que existe um revolucionário chá que cura a calvície, o chapéu; tiveram também que deitar no divã dos psicanalistas. Eu tive um professor de Geografia que era completamente careca na parte de cima da cabeça e tinha cabelo em todo o em torno, ele deixava crescer, caprichosamente, um grande filete de cabelo do lado esquerdo da cabeça e penteava, cuidadosamente, este filete, fazendo-o atravessar toda a clareira até desaguar no ainda populoso lado esquerdo, pois bem, este professor era conhecido pelos alunos como Ponte Rio-Niterói.

Muitas vezes ridicularizados no passado, eles já foram confundidos com pilões, soquetes e até com coisas mais picantes, foram se unindo com o passar dos séculos em confrarias e até em seitas a ponto de formarem verdadeiras castas (não caspas).

Muitos carecas desembolsaram pequenas fortunas em cirurgias de implante de cabelo que são cobradas por moita de cabelo plantado mais parecendo uma operação agrícola, pois terminada a safra, via de regra, o solo pobre do cidadão volta a ser desértico. Eu acho até que deveria haver nos ônibus um lugar destinado aos deficentes capilares de modo a que eles não precisassem recorrer a toucas, gorros e bonés para esconderem as suas verdadeiras identidades.

Psicologicamente, o pente está para o deficiente capilar assim como o sapato está para o perneta e a luva para o maneta, nenhum careca educado é capaz de pedir desconto ao barbeiro, da mesma forma que os pernetas não o pedem à pedicure nem os manetas à manicure; a prótese capilar, vulgarmente conhecida como peruca, contrariamente às outra próteses, é capaz de tornar o seu usuário ainda mais ridículo, talvez apenas a dentadura tenha esta mesma característica. Se por um lado os carecas economizam no barbeiro, por outro lado passam a gastar mais no engraxate, mas o que eles temem de verdade é o dia do grande encontro, o encontro da testa com a nuca e a possibilidade de ir de orelha à orelha sem encontrar um único fio de cabelo no caminho, a extinção total.

Modernamente conhecidos como skin heads, eles se tornaram moda, até aqueles que não sofrem desta anomalia aderiram a ela como se ser careca fosse uma espécie de exibicionismo, se auto mutilam tirando os seus próprios escalpos, afinal de contas, antigamente dizia-se: “é dos carecas que elas gostam mais”, mas, como ficou provado depois, e bota provado nisso, os carecas aos quais elas se referiam, eram outros.

Conheço um cara que, quando começou a ficar careca, em princípio achou normal e inevitável e que aquilo era apenas fruto da idade e da genética, com o passar do tempo, a queda de cabelo foi-se tornando cada vez mais intensa a ponto dele pensar que a sua cabeça estava no outono, porém, quando a erosão capilar foi tornando desértica a parte de cima da cabeça dele e começaram a ser mostradas partes do seu corpo que ele mesmo nunca tinha visto, ele se sentiu literalmente nu; com o passar do tempo, o passar do pente foi ficando doloroso e, por fim, se tornou quase insuportável como se fosse um ancinho que arranhava tudo, mas com o passar dos dias ele foi se acostumando com a nova imagem, afinal a gente se acostuma a “quase” tudo, não é? Na fase final, quando ele já era um cabeludo terminal, a mente cartesiana do nosso camarada produziu o seguinte episódio:
Uma manhã, ao se olhar no espelho, ele notou que só tinha cinco fios de cabelo na cabeça, após conjecturar por alguns segundos, ele decidiu pentear dois fios para o lado direito, dois fios para o lado esquerdo e um fio para trás.
No dia seguinte, ele, estupefato, constatou que só tinha quatro fios (seria parente de Homer Simpson?), se perguntou então como faria para pentear aquilo e decidiu pentear dois fios para cada lado.
No terceiro dia, como só tinha três fios, penteou um fio para cada lado e o terceiro para trás.
Mais um dia se passou e ele, desesperado, verificou que só lhe restavam dois fios de cabelo, apesar da tristeza que tomou conta dele, foi fácil concluir que ele tinha que pentear um fio para cada lado.
Naquela fatídica manhã, ele se levantou com os olhos fechados e foi tateando pelo quarto em direção ao banheiro até estar diante do espelho, devagarinho ele foi abrindo os olhos e completamente transtornado viu que tinha apenas um único fio de cabelo na cabeça, o último dos moicanos, desgostoso da vida ele desferiu:
- Só de pirraça, hoje eu vou sair despenteado mesmo!